Os alimentos e a síndrome do intestino irritável
A síndrome do intestino irritável (SII) e a alimentação, tal como o título do artigo indica, é o tema de hoje. Foi escolhido porque o consideramos muito importante para os dias que correm. A síndrome do intestino irritável é uma perturbação motora do tubo digestivo que origina vários sintomas digestivos, crónicos ou recorrentes, na ausência de uma causa orgânica detetável. Estima-se que 10% a 20% da população sofra deste problema, e que as mulheres são duas vezes mais afetadas do que os homens.
As pessoas que sofrem deste síndrome têm o tecido muscular do intestino mais sensível e que pode reagir mais intensamente a estímulos como a alimentação ou o stress. Assim, com este texto pretendemos dar uma outra possibilidade de dieta alimentar para ajudar na melhoria de quem sofre da síndrome do intestino irritável.
Alimentação e a síndrome do intestino irritável
Os alimentos que geralmente causam mais sintomas são os lácteos, os alimentos com trigo, a cafeína, a couve, a cebola, a ervilha, as leguminosas e os alimentos condimentados / gordurosos / defumados.
Regra geral, muitos dos que sofrem da síndrome do intestino irritável conseguem associar o consumo de certos alimentos aos seus sintomas, o que os leva a fazer restrições alimentares por conta própria. No entanto, há uma ressalva muito importante que temos de salientar que é o facto de as restrições alimentares terem implicações na ingestão de nutrientes, podendo aumentar o risco de deficiências nutricionais.
Por vezes, até mesmo os profissionais de saúde têm dificuldade em determinar a relação entre alimentos e sintomas por eles induzidos, devido a vários motivos, nomeadamente:
- à complexidade da composição dos alimentos;
- aos múltiplos mecanismos pelos quais os componentes alimentares podem afetar o intestino e induzir sintomas;
- o tempo entre a ingestão de alimentos e o início dos sintomas.
Componentes alimentares
Vejamos mais detalhadamente os múltiplos mecanismos dos componentes alimentares que podem afetar o intestino e desta forma induzir sintomas da síndrome em causa. Eis alguns exemplos desses mecanismos:
- Há algumas moléculas, como a frutose, a polióis e a lactose (se houver deficiência de lactase) podem aumentar a quantidade de água do intestino delgado e também podem ser fermentadas no cólon, causando distensão, inchaço, gás em excesso e alterar hábitos intestinais.
- Certos alimentos ou componentes alimentares podem levar a alterações na motilidade. Recetores encontrados ao longo do trato digestivo podem ser ativados pelas moléculas de certos alimentos ou pelos produtos da sua digestão e metabolismo. Os salicilatos, por exemplo, podem ativar mastócitos (células que armazenam potentes mediadores químicos da inflamação).
- Há alimentos que podem alterar a estrutura e / ou a função da microbiota, que por sua vez pode afetar a função do sistema nervoso entérico, a atividade imunológica na mucosa, o perfil metabólico e possivelmente a função cerebral.
- Comer aumenta o volume da cavidade intestinal e isso pode estimular recetores sensoriais que respondem à pressão, esticando a parede intestinal.
Como vimos há uma grande variedade de elementos que podem induzir os sintomas da síndrome do intestino irritável. Não há uma única causa para esta doença.
Alimentos a ter em atenção
O intestino é a base para toda a saúde. Contendo mais de 70% do sistema imunológico e uma conexão direta com o cérebro, o equilíbrio do intestino é crucial para a saúde do corpo e da mente. Facto esse que nos leva a falar em diferentes abordagens que temos de ter em conta para aliviar os sintomas da síndrome.
Gordura
Apesar das associações entre ingestão de gordura e sintomas da SII, ensaios clínicos randomizados mediram o efeito de uma dieta restrita a gordura no tratamento desta doença. Contudo, não ficou totalmente claro se de facto existe alguma relação de causa e efeito entre o consumo de gordura e os sintomas da SII, nem se a restrição de gordura melhora o controle dos sintomas.
A questão-chave aqui é que a ingestão de comida gordurosa (pizzas, fritos e natas em excesso) afeta negativamente qualquer pessoa, mas afeta muito mais quem sofre da síndrome do intestino irritável.
Proteína (glúten)
As proteínas mais comuns na nossa dieta que estão de alguma forma associadas aos sintomas da síndrome do intestino irritável são: β-caseína (do leite); rubisco (de espinafre); lectina de gérmen de trigo; inibidores de α-amilase / tripsina (ATIs) e glúten.
Por falar em glúten, sabia que 60-70% da composição de um grão de trigo é carboidrato e só entre 8 -15% é proteína (sendo 80-95% desta proteína glúten)? Facto este que nos leva a questionar se a intolerância ao trigo é realmente por causa do glúten, certo?
Diversos estudos não conseguiram determinar se os sintomas do consumo do trigo foram causados pela parte dos hidratos de carbono (frutanos) ou pela parte das proteínas (sendo o glúten uma delas). Num estudo recente realizado em pessoas que acreditavam serem intolerantes ao trigo devido ao glúten, concluiu serem os frutanos que desencadearam os sintomas, e não o glúten.
O glúten é a proteína que mais atraiu atenção, em termos do seu papel na indução de sintomas intestinais em pessoas que sofrem da síndrome do intestino irritável. Esse interesse, em parte, foi alimentado pela tendência mundial pela alimentação sem glúten por pessoas que não sofrem de doença celíaca. Além de celebridades, o marketing de que alimentos sem glúten são mais saudáveis, assim como uma maior disponibilidade destes alimentos no mercado, e o facto de que realmente existe uma melhoria dos sintomas leva a que muitos sigam dieta sem glúten e / ou trigo mesmo com ausência de sintomas da síndrome de intestino irritável.
No entanto, essas melhorias podem ser incorretamente atribuídas ao glúten, uma vez que ao seguir uma dieta sem glúten ou trigo vários outros componentes alimentares são reduzidos ou removidos, como os frutanos.
Hidratos de carbono
Os hidratos de carbono que implicam no aparecimento dos sintomas da síndrome do intestino irritavel incluem:
- fibra;
- prebióticos;
- hidratos de carbono de cadeia curta, como lactose, polióis de açúcar (sorbitol e manitol), frutose e oligossacarídeos (frutanos e GOS).
Estes últimos influenciam os sintomas da sii devido ao seu pequeno tamanho e pelo fato de serem pouco absorvidos ou não absorvidos de todo, e também pelo fato de atraírem água para o intestino por osmose. Além disso, eles são prontamente fermentados por bactérias do cólon. Assim, por má absorção no intestino delgado, entram no intestino grosso onde são fermentados, gerando gases, incluindo hidrogênio, dióxido de carbono e metano. Essas ações causam uma expansão no volume do conteúdo intestinal, esticando a parede intestinal e estimulando os nervos no intestino. É o “alongamento” da parede intestinal que desencadeia as sensações de dor e de desconforto que são comumente experimentadas pelos pacientes com esta doença.
A distensão do intestino também pode causar alterações na motilidade e hábitos intestinais, incluindo diarreia, obstipação ou uma mistura de ambos.
FODMAP
Evidências de inúmeros estudos ao longo de vários anos mostraram que a restrição dos hidratos de carbono de cadeia curta melhorou os sintomas da SII, tendo levado á proposta do conceito do FODMAP. FODMAP é um acrónimo para Oligossacarídeos, Dissacarídeos, Monossacarídeos e Polióis Fermentáveis.
Sabe-se que os diferentes subgrupos FODMAP têm ações diferentes no intestino devido a diferenças no seu tamanho molecular e características de absorção:
- Oligossacarídeos – frutanos (trigo, centeio, cebola e alho) e galacto-oligossacarídeos (leguminosas): não são absorvidos no intestino delgado porque os seres humanos não possuem as enzimas necessárias para romper as ligações entre essas cadeias de açúcares. São fermentados por bactérias no intestino grosso produzindo gás. O que leva à flatulência em pessoas saudáveis, sendo uma coisa normal da digestão, mas em pessoas com SII, a acumulação de gás causa sintomas de inchaço, desconforto abdominal e motilidade alterada.
- Frutose (mel, maçã, xarope de milho) e polióis (algumas frutas, vegetais e produtos alimentícios de baixas calorias): é absorvida lentamente no intestino delgado, resultando em atração da água para o intestino delgado. Se esses açúcares atingem o intestino grosso, são fermentados por bactérias que produzem gás. Estes efeitos contribuem para sintomas de dor, inchaço e hábito intestinal alterado.
- Lactose (leite, queijos pouco fermentados, iogurtes): normalmente absorvida no intestino delgado, mas em pessoas que não possuem a enzima necessária para quebrar esse dissacarídeo, a lactose atinge o intestino grosso intacta. A lactose atrai água para o intestino delgado e grosso e é fermentada por bactérias intestinais, resultando em sintomas de inchaço, flatulência, dor e diarreia (dependendo da dose de lactose consumida).
Seguir o conceito da dieta FODMAP pode, de fato, ajudar a melhorar os sintomas de quem sofre da síndrome do intestino irritável. Pois o seu principal objetivo é reduzir ou eliminar estes componentes de hidratos de carbono que estejam presentes na alimentação.
Se precisa de ajuda para seguir uma dieta FODMAP, contacte-nos para saber mais informações e agendar a sua consulta.
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